quarta-feira, 25 de junho de 2014

A nada mole vida de uma torcedora brasileira na Argentina

Começou o Mundial e a diplomacia acabou. Aquele argentino amável e educado, quando veste a camisa da celeste se converte automaticamente em um insuportável “hincha”. Esse indivíduo provoca uma reação química explosiva quando entra em contato com um torcedor brasileiro, consegue extrair de nossas almas o que temos de pior. E as provocações mútuas são fatais.

É como briga entre irmãos. São as piores, nos deixam mal por toda uma vida, e chega um determinado momento que não sabemos mais quem começou ou quem tem razão. Eu, que até pensei no começo em torcer pela Argentina como segundo time, já estou de um jeito que a única coisa que desejo nesse Mundial, mais até do que o título de Hexa, é que a Argentina seja eliminada do campeonato antes do Brasil. Basta isso para meu alívio.

Só um brasileiro que está morando na Argentina sabe o que é escutar um jogo do Brasil narrado por comentaristas argentinos. É tão irritante que você chega a sentir saudade do Galvão Bueno. Secam a seleção brasileira o tempo inteiro sem a menor cerimônia e profissionalismo. Se Neymar faz gol, somos “Neymar dependentes”, e o pobre do nosso artilheiro, por mais que faça, não veem nada de genialidade nele. Se a equipe contrária, seja quem seja, está no ataque e erra o gol, tem sempre um lamento, como se a própria Argentina tivesse perdido uma oportunidade. É pura paixão e nenhum estudo, nenhum comentário técnico tático.



Como se não bastasse, os piores “hinchas” foram para o Brasil e fizeram uma musiquinha só para nos zoar, que entre outras barbaridades diz que somos freguês da Argentina, que estamos chorando desde que perdemos o Mundial na Itália, além do clássico Maradona é melhor do que Pelé. E não importa que seja tudo uma mentira deslavada, o que vale mesmo é encher a paciência.

Como somos anfitriões do Mundial, a coisa piorou porque se sairmos Hexa, vai ser porque compramos a Copa – o juiz japonês que apitou o primeiro jogo é o trunfo. Se perdermos, será a vergonha do século porque “é impossível que o Brasil não ganhe uma Copa dentro de sua própria casa”, como já me disseram. A pressão é constante e não há saída. Nas mídias sociais, então, a coisa fica ainda mais séria. Já recebi um “Macaco detetect” em um comentário que postei na página de um jornal local.

Com tudo isso entalado na garganta, decidi aceitar o convite de um amigo chileno para ver o jogo do Brasil contra Camarões na sua casa, no centro da Recoleta, do lado do Hotel Alvear. Não sei porque cometi essa insanidade. Quando cheguei, Chile já havia perdido para Holanda e já se sabia, poderia pegar o Brasil, caso saíssemos como primeiros de chave. A coisa já começou a azedar daí porque, o chileno, com medo do que viria pela frente, começou a torcer contra o Brasil. Ok, totalmente compreensível.

Meu amigo chileno "mala leche" Jaime e atrás a
varanda da discórdia
Acontece que isso, mais a torcida do narrador argentino sem mãe, somado ao meu nacionalismo aflorado por estar longe de casa e a tudo que já tinha escutado, me caiu como uma equação mal resolvida. Eu fui entrando em estado de ebulição até que explodi quando saiu o primeiro gol do Brasil. Eu não tive dúvida: corri para a varanda do apartamento e dei um grito desses de lavar a alma: “goooooooooollll do Brasilllllll”!!!!

Fui imediatamente acompanhada por meu marido, que com ainda mais folego e potência, repetiu o heroico brado retumbante. Nossas vozes ecoaram entre as paredes dos edifícios em volta que senti as ondas sonoras reverberarem dentro do peito. Acho que toda Buenos Aires escutou aquele grito. Foi uma libertação. E só de pensar que um monte de argentino estava, naquela hora, se mordendo de ódio, me proporcionou uma das melhores sensações já vividas em um Mundia em minha vida.

Nossa audácia, claro, não foi bem digerida pelos hermanos. E fomos punidos com penalidade máxima. Não deu tempo nem de sofremos com o gol de Camarões, algum espírito de porco (ou de chancho) foi até o quadro de energia do edifício e cortou a luz do apartamento do chileno. A princípio pensamos que era geral, mas quando olhamos para o apartamento da frente, lá tinha luz. Quando fomos até o hall do andar, do lado de fora também tinha luz. Ou seja, foi um blackout seletivo. O chileno não sabia como corrigir o problema e, comovido com o nosso desespero, um outro amigo peruano, deu a ideia de irmos à sua casa, que ficava a umas três quadras e meia de onde estávamos.

Descemos pelo elevador e, pela televisão do porteiro (meu suspeito número 1), vimos que o jogo tinha empatado. Incrédulos, saímos correndo com o peruano pelas ruas até o apartamento dele, impressionados com a falta de espírito esportivo do maldito boicotador hermano. Quando chegamos e ligamos a televisão, foi justamente quando o Brasil fez seu segundo gol. Vendo que não ia ter jeito do Brasil perder de Camarões, o infeliz do narrador da TV Pública Argentina começou a torcer descaradamente para que o México goleasse a Croácia.

No final comemoramos efusivamente e até o peruano, contagiado com a nossa alegria, saiu pulando e nos abraçava feliz. Brindamos os 4x1 com um pisco (bebida original do Peru e que o Chile se apropriou) que foi para já ir tirando a zica deixada pelo chileno, porque foi só sair do apartamento dele que as coisas começaram a dar certo e até Fred fez gol. O comentarista, não tendo mais o que dizer, já saiu falando que o Brasil, do jeito que estava jogando, poderia perder dos “Rojos”. Desligamos a televisão para não darmos um prejuízo para o amigo peruano.

E no final das contas eu tenho até que agradecer ao argentino de ter me livrado de ver o gol de Camarões. Reduziu meu sofrimento e deixou a partida ainda mais emocionante e inesquecível. E valeu muito o grito. Para finalizar, deixo aqui a minha resposta a musiquinha ridícula...

Desejo a todos argentinos vida longa

Pra que eles vejam cada dia mais nossa vitória

Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba

Aqui seu Messi não se cria e nem faz história.

Beijinho no ombro que o recalque passa longe!

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