Quando comecei a dar aula de português para argentinos foi que percebi o quanto que é difícil para eles, especialmente para os portenhos, entenderem nosso português. É bem mais difícil do que é para nós entender o espanhol. Ai, quando a gente fala e eles não nos entendem pensamos que é má vontade, que eles não têm paciência. Não acredito que seja isso. Acho que eles não nos entendem mesmo. E não é por falta de esforço.
Diferente do
espanhol, no português é comum a gente falar de um jeito e escreve de outro e
também trocamos naturalmente os sons das letras . Por exemplo: uma palavra
simples como “titio” se formos escrever como falamos seria “tchitchiu” (com
exceção dos nordestinos). Falamos o “T” igual ao som do “Ch” dos argentinos, mas em
outras palavras, como em “telefone”, por exemplo, a mesma letra tem um som seco.
A fonética deles não varia como a nossa, os sons são iguais sempre. Então, quando aparece o “Ch”, eles sabem que o som é “Tch”. Listo!
Mas no português não é bem assim... Nosso “L”
tem som de “U” em algumas palavras, da mesma forma que o “O” também soa como
“U” em outras tantas, além do nosso “E” que se traveste de “I” de vez em quando. Para você ter ideia da confusão que isso faz na cabeça deles, uma aluna demorou a entender que “esquecido” e
“esquisito” são palavras diferentes, com significados distintos, simplesmente
porque ela não conseguia distinguir a diferença de sons, já que nosso “s” entre
vogais tem som de “z” e “z”, para os portenhos, é uma fonética impronunciável,
soará sempre como nosso “ss” ou “ç”. Um outro aluno achava que tinha que falar "tchudo" ao invés de tudo. A cor marrom facilmente virou "marrão" e por ai vai.
Falamos
obrigada, joia, beleza, bacana, massa, para dizer a mesma coisa, enquanto que
eles se contentam com apenas um “gracias”. Respondemos com verbos e não apenas
com “si” ou “no”. Se nos perguntam se queremos algo, respondemos “quero”, se
perguntam se pode entrar, a resposta é “pode”. Bem mais complexo, não? Também
temos o tudo, todos, todas, todo, toda, enquanto eles só têm o “todo” para
tudo.
Quando
cheguei aqui estranhava quando um argentino me perguntava se não preferia que
falássemos em inglês. E muitos, quando vão ao Brasil, preferem usar o inglês
para facilitar a comunicação. Acredite! Isso acontece. Na escola, no início,
minha filha fez muito o uso da língua anglo-saxônica para fazer-se entender. Eles
sabem que somos estrangeiros, mas muitos não distinguem se quer que somos
brasileiros pela língua. Já me perguntaram se sou italiana, francesa e até
inglesa, quando me ouviram falando português ou pelo meu “sotaque” espanhol
diferente.
O que
percebi, posso estar enganada, é que o argentino tem vergonha de falar o nosso
idioma de forma errada e como o brasileiro, aos trancos e barrancos, também
acaba entendendo o que ele fala, não arrisca, é comedido. Já o brasileiro, com
a cara-de-pau que Deus lhe deu, se apropria muito facilmente do sotaque
espanhol e sai por ai arrasando... A língua alheia, claro! É que o espanhol
parece com o português, né? Só que não... Então, as confusões são inevitáveis.
Uma vez fui
comprar empanadas e entre os variados recheios vi uma de “choclo”, perguntei o
que seria, e a atendente não sabia como me explicar. Sem cerimônia, fiz
imediatamente um processo de associação – “choclo” igual a “choco”, então deve
ser chocolate! Perguntei se era “dulce” e ela confirmou! Era isso,
acertei! Pedi logo quatro! Só que não... Choclo aqui é milho e o milho aqui é
doce e eu detesto recheio de milho.
Minha filha
foi dizer para sua amiga que ela era uma “gata” e a menina ficou ofendida.
Imagina que além do felino, gata aqui é prostituta. A compra de uma simples
camisa pode se tornar um incidente diplomático porque o nome para a peça é
“remera”, mas se você falar “ramera” é um xingamento. Tenho muita dificuldade
de falar o “R” deles e fui morar justamente numa rua que se chama
Monrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrroêêê,. Às
vezes é um problema chegar em casa. Se não dobro o "r" eles simplesmente não entendem!
A primeira
coisa que um brasileiro precisa aprender a dizer aqui é “habla despacio, por
favor”, sabendo que não vai adiantar muito porque o portenho fala muito rápido
e arrastado. É deles. Da mesma forma que nós também temos que entender que não
é só imitar o espanhol e que precisamos pronunciar com mais clareza o nosso bom
e velho português, já que estamos na terra deles. Nós também falamos rápido e
arrastado para eles. Também é preciso ter muito cuidado com as
palavras que parecem, mas não são. E, não menos importante, paciência! Tenha em mente que eles verdadeiramente não entendem seu "portunhol" e não são obrigados a entender!
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