terça-feira, 23 de abril de 2013

Português, espanhol, portunhol e espanguês!


Quando comecei a dar aula de português para argentinos foi que percebi o quanto que é difícil para eles, especialmente para os portenhos, entenderem nosso português. É bem mais difícil do que é para nós entender o espanhol. Ai, quando a gente fala e eles não nos entendem pensamos que é má vontade, que eles não têm paciência. Não acredito que seja isso. Acho que eles não nos entendem mesmo. E não é por falta de esforço.

Diferente do espanhol, no português é comum a gente falar de um jeito e escreve de outro e também trocamos naturalmente os sons das letras . Por exemplo: uma palavra simples como “titio” se formos escrever como falamos seria “tchitchiu” (com exceção dos nordestinos). Falamos o “T”  igual ao som do “Ch” dos argentinos, mas em outras palavras, como em “telefone”, por exemplo, a mesma letra tem um som seco. A fonética deles não varia como a nossa, os sons são iguais sempre. Então, quando aparece o “Ch”, eles sabem que o som é “Tch”. Listo!

Mas no português não é bem assim... Nosso “L” tem som de “U” em algumas palavras, da mesma forma que o “O” também soa como “U” em outras tantas, além do nosso “E” que se traveste de “I” de vez em quando. Para você ter ideia da confusão que isso faz na cabeça deles, uma aluna demorou a entender que “esquecido” e “esquisito” são palavras diferentes, com significados distintos, simplesmente porque ela não conseguia distinguir a diferença de sons, já que nosso “s” entre vogais tem som de “z” e “z”, para os portenhos, é uma fonética impronunciável, soará sempre como nosso “ss” ou “ç”. Um outro aluno achava que tinha que falar "tchudo" ao invés de tudo. A cor marrom facilmente virou "marrão" e por ai vai.

Falamos obrigada, joia, beleza, bacana, massa, para dizer a mesma coisa, enquanto que eles se contentam com apenas um “gracias”. Respondemos com verbos e não apenas com “si” ou “no”. Se nos perguntam se queremos algo, respondemos “quero”, se perguntam se pode entrar, a resposta é “pode”. Bem mais complexo, não? Também temos o tudo, todos, todas, todo, toda, enquanto eles só têm o “todo” para tudo.

Quando cheguei aqui estranhava quando um argentino me perguntava se não preferia que falássemos em inglês. E muitos, quando vão ao Brasil, preferem usar o inglês para facilitar a comunicação. Acredite! Isso acontece. Na escola, no início, minha filha fez muito o uso da língua anglo-saxônica para fazer-se entender. Eles sabem que somos estrangeiros, mas muitos não distinguem se quer que somos brasileiros pela língua. Já me perguntaram se sou italiana, francesa e até inglesa, quando me ouviram falando português ou pelo meu “sotaque” espanhol diferente.

O que percebi, posso estar enganada, é que o argentino tem vergonha de falar o nosso idioma de forma errada e como o brasileiro, aos trancos e barrancos, também acaba entendendo o que ele fala, não arrisca, é comedido. Já o brasileiro, com a cara-de-pau que Deus lhe deu, se apropria muito facilmente do sotaque espanhol e sai por ai arrasando... A língua alheia, claro! É que o espanhol parece com o português, né? Só que não... Então, as confusões são inevitáveis.

Uma vez fui comprar empanadas e entre os variados recheios vi uma de “choclo”, perguntei o que seria, e a atendente não sabia como me explicar. Sem cerimônia, fiz imediatamente um processo de associação – “choclo” igual a “choco”, então deve ser chocolate! Perguntei se era “dulce” e ela confirmou! Era isso, acertei! Pedi logo quatro! Só que não... Choclo aqui é milho e o milho aqui é doce e eu detesto recheio de milho.

Minha filha foi dizer para sua amiga que ela era uma “gata” e a menina ficou ofendida. Imagina que além do felino, gata aqui é prostituta. A compra de uma simples camisa pode se tornar um incidente diplomático porque o nome para a peça é “remera”, mas se você falar “ramera” é um xingamento. Tenho muita dificuldade de falar o “R” deles e fui morar justamente numa rua que se chama Monrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrroêêê,.  Às vezes é um problema chegar em casa. Se não dobro o "r" eles simplesmente não entendem!

A primeira coisa que um brasileiro precisa aprender a dizer aqui é “habla despacio, por favor”, sabendo que não vai adiantar muito porque o portenho fala muito rápido e arrastado. É deles. Da mesma forma que nós também temos que entender que não é só imitar o espanhol e que precisamos pronunciar com mais clareza o nosso bom e velho português, já que estamos na terra deles. Nós também falamos rápido e arrastado para eles. Também é preciso ter muito cuidado com as palavras que parecem, mas não são. E, não menos importante, paciência! Tenha em mente que eles verdadeiramente não entendem seu "portunhol" e não são obrigados a entender! 


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Buenos Aires de Bicicleta



Este domingo o céu de Buenos Aires estava irretocável: com um azul intenso, sem nuvens, um sol brilhante, ressaltando o colorido do outono, que deixou as folhas das árvores numa escala de tons que vai do amarelo ao laranja. Nem parecia que há uma semana a cidade estava um caos após a tormenta que inundou vários bairros. E se depois da tempestade vem a bonança, aqui ela chegou acompanhada do frio. Foi como se tivessem ligado o ar-condicionado central da cidade. Clima perfeito para pedalar porque é possível andar quilômetros sem verter uma única gota de suor. Eis o segredo das bicicletas dominarem as paisagens de cidades europeias – o clima.

É verdadeiramente desestimulante pedalar com aquele calor úmido ensopando suas roupas, a não ser que seja absolutamente por prática esportiva. Buenos Aires, com seus parques imensos e bem cuidados, circulados por ciclovias recém-construídas e agora com um clima favorável, é um convite aos ciclistas de fim de semana como eu. E convite feito, é convite aceito. Estendi a proposta à milha filha e ela topou. E assim, sem muitos planos, nem estudos de trajetos, nem compromissos com horários, saímos com as nossas “bicis” para brindar o dia.

Vale dizer que nem toda Buenos Aires está com ciclovias, mas o governo iniciou um programa chamado Mejor em Bici e por meio dele é possível, com o número do passaporte, tomar emprestado bicicletas e deixa-las depois nas estações, semelhante ao que já existe no Rio. A pré-inscrição pode até ser feita no site do governo. Lá também tem um mapa das estações de bicis para download. Alguns circuitos turísticos já estão com boa infraestrutura para ciclistas.

Meu roteiro 


A primeira ideia era sair da minha casa, que está próxima ao estádio do River, e dar uma volta no Lago Regatas do Parque Belgrano, mas estava tão agradável que resolvemos explorar mais.

Fomos acompanhando a ciclovia: passamos pelo Hipódromo Argentino, pela praça Holanda, já em Palermo, e paramos um pouco no Planetário Galileo Galilei, onde estava tendo um show beneficente, em favor dos desabrigados de La Plata, distrito mais prejudicado com o último temporal.

Ficamos por ali alguns minutos, curtindo o som de bandas de roque locais e vendo a mobilização das pessoas para carregar caminhões imensos com toneladas de doações que chegavam a todo instante.

Malba: um passeio obrigatório


Em seguida, decidimos por continuar nossas pedaladas até o Malba – Fundação Costantini, ainda em Palermo. O museu, que é dedicado à arte latino-americana do século XX, é um passeio imperdível para não dizer obrigatório. O Malba foi uma ideia do milionário argentino Eduardo Constantini, que o construiu por meio da fundação que leva o seu nome.

O acervo reúne mais de 500 obras dos principais artistas modernos e contemporâneos do nosso continente, dentre as quais se destaca a tela da nossa Tarcila do Amaral, o Abaporu, considerada a obra brasileira mais valorizada no mundo, depois que Constantini a arrematou por US$ 1,5 milhão. 
Abaporu:tem lugar de destaque no Malba

Camila admirando Frida
Mas Tarcila não está só no Malba. Junto com ela estão um Di Cavalcanti e um Portinari belíssimos. Um autorretrato da Frida Kahlo, um Botero e muitas obras do Antônio Berni, das quais gosto especialmente da Manifestación, também fazem da visita ao museu um banho de cultura, desses que lavamos a alma e os olhos. 

O prédio em si já é uma obra de arte da arquitetura. Foi construído a partir de um concurso público que escolheu o melhor projeto. Todo branco, deixa sobressair o colorido das obras e os planos envidraçados ainda permitem uma luminosidade natural interna que favorece ainda mais a visibilidade.


Shopping Passeo Alcorta

Área infantil no solar
Depois da visita, já tomadas pela fome, pedalamos até o shopping Passeo Alcorta, que fica na quadra ao lado do Malba. Esse centro comercial é mais sofisticado: tem um bom mix de lojas e uma praça de alimentação muito agradável, com um solar para quem preferir desfrutar do seu almoço ao ar livre, com direito a uma vista do bairro.
O charme do Passeo Alcorta

Depois de dar uma olhada nas vitrines e da Camila entrar num surto consumista com as novidades da moda inverno, achei melhor alimentá-la rapidamente. Quando começamos a achar que precisamos de tudo que vemos, o melhor a fazer é mesmo comer. Destruímos 20 peças de sushi e sashimi e o bom senso voltou a reinar.

Reabastecidas, tomamos nosso caminho de volta para casa com o sol de fim de tarde dando outro colorido às paisagens. E chegamos bem antes do anoitecer, sem nenhum sinal de cansaço. Foi um domingo simples e perfeito. Ou seria simplesmente perfeito?

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Enlouquecendo em San Telmo

Um dos programas de domingo mais bacanas de Buenos Aires é a Feira de San Telmo. Quem já esteve em Buenos Aires, mesmo a passeio, sabe que é um roteiro clássico no turismo da cidade. E eu não poderia deixar de conferir isso de perto. A feira, que inaugurou em 1970 com apenas 30 barracas, hoje conta com 257 feirantes vendendo de prataria a brinquedos. Lá, é possível encontrar “de um tudo”, se divertir, ouvir boa música e comer bem.

Camila queria achar uns óculos ao estilo Jonh Lennon, Ricardo duvidou que lá tivesse algum. Pois bem, logo na primeira tenda encontramos o tal picinez por uns R$ 50,00. E assim, surpreendendo a todos, seguiu a nosso passeio. E o legal dessa feira é exatamente isso, achar coisas impensadas, bem mais até do que um simples óculos.


A feira ocupa a Plaza Dorrego e desce pelas ruas ao largo, Defensa, Humberto Primo, Bethlem, Aieta. O acesso é fácil é possível chegar de ônibus ou metrô, com tranquilidade. As negociações podem ser feitas em pesos, dólares e até em reais, mas sempre em espécie. Ao largo, cafés e restaurantes maravilhosos. Se puder chegar cedo, melhor, é mais tranquilo. A parte da tarde é o horário de maior concentração de pessoas, mas é mais divertido também. Então, é bom não descuidar dos pertences.

É uma tentação total para quem curte decoração, como eu. Fiquei louca com a quantidade de prataria, porcelanas e cristais. Comprei um conjunto de seis copos de cristal por $ 150,00 (dá uns R$ 40,00 mais ou menos!!!) e, não satisfeita, arrematei, por cerca de R$ 200,00, dez taças de cristal para champanhe, daquelas que foram feitas tendo como molde o seio da amante preferida do Rei Luís XV, a Marquesa Pompadour.

Aproveitei o tema champanhe e comprei uma champanheira banhada em prata por uns R$ 100,00. Foi o que dinheiro deu e o que o juízo permitiu. Mas vi verdadeiras preciosidades, como um faqueiro Christofler de 147 peças, completo, por uns R$ 5 mil (isso sem choro nenhum). E curiosidades, como uma barraquinha que vendia miniaturas de bonequinhos do Star Wars – uma perfeição para encantar os meninos.

Para comer

Para comer, o bairro oferece inúmeras opções. Escolhemos um que ficava bem em frente a praça e oferecia uma bonita vista do alto – o La Pérgula de San Telmo. Além do ambiente agradável, da comida honesta e do bom vinho que escolhemos, pudemos assistir a uma apresentação de tango e saímos bem satisfeitos.

Vinho pedido
O melhor do restaurante, no entanto, é a visão do alto que ele dá da feira. Portanto, só vale mesmo a pena se ficar na parte superior. Mas essa foi uma escolha cega. Vale a pena bater perna para eleger o lugar que mais lhe agrada. Isso também faz parte da diversão, não é mesmo?

El Afronte

As atrações culturais também são muitas e ótimas. Tango de rua, apresentações de grupos musicais de ótima qualidade. Encontramos até uma orquestra de rua com piano (sim! Um piano na rua), violinos, bandoneóns e violoncelo, chamada El Afronte. E lógico, paramos para registrar de tão encantados com o som que eles produziam. Depois, ao pesquisar, fiquei sabendo que essa orquestra foi declarada de “Patrimônio Cultural” em 2006 pela Legislação portenha e que fazem turnês pelo mundo. Mas é, elementarmente, uma orquestra de rua!

Descobri também que eles se apresentam todas as quartas-feiras na Maldita Milonga, um galpão na rua Perú, despojado, mas muito concorrido por locais e turistas e principalmente pelos mais jovens. Dá para dançar mal que ninguém vai reparar e tomar uns tragos.

Abaixo, um vídeo com algumas coisinhas que encontramos pela feira e com a trilha sonora do El Afronte.




Depois conto mais!


Anota aí!

Feira de San Telmo

Endereço: Praça Dorrego, Rua Defensa e Humberto I, San Telmo.

Linhas de ônibus: 22, 24, 28A, 28B, 29, 33, 54, 61, 62, 74, 86, 93, 126, 130, 143, 152 e 159.

Você pode chegar caminhando a partir da Plaza de Mayo, 10 blocos.

Horários: Domingos das 10 a 17 hs.



La Pergola de San Telmo

Anselmo Aieta 1075, San Telmo

Horário: 10:00 - 02:00



Maldita Milonga

Peru 571

Toda quarta-feira a partir das 21h (aula) e 23h (milonga)

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