domingo, 17 de março de 2013

Aprendendo com Los Hermanos

As aulas começaram oficialmente na Argentina na última sexta-feira (08/03), provocando engarrafamentos nos horários de entrada e saída dos alunos e colorindo as ruas com as tradicionais minissaias quadriculadas, muito usadas como uniformes em várias instituições de ensino. É a vida entrando no seu curso normal.

Alunos do Hight School em horário de almoço
Minha filha, que teve umas férias prolongadíssimas, estava cheia de expectativas com a escola nova e com os novos amigos. Pela primeira vez em 17 anos, acho que finalmente acertamos na escolha. Não que durante tantos anos ela não tenha estudado em boas escolas no Brasil, pelo contrário, foram sempre as melhores, mas em Buenos Aires as escolas apresentam, verdadeiramente, propostas pedagógicas diferenciadas que permitem que você escolha uma instituição mais adequada para cada perfil de aluno.

Na minha busca pela escola ideal para Camila, percebi que “los Hermanos” estão muito mais a frente da gente em termos de educação – pelo menos em se tratando de escolas particulares. Primeiro porque o Secundário começa muito mais cedo que o nosso Ensino Médio, apesar de ambos os países terem 12 anos de estudos escolares. Eles dividem as etapas de forma diferente, são sete anos para o Fundamental e cinco anos para o Secundário, enquanto que no Brasil temos nove anos para o Fundamental e apenas três para o Ensino Médio. Assim, o oitavo ano brasileiro corresponde ao primeiro ano do Secundário e assim por diante.

Profissionalização
Entrada do Colégio Aula XXI
Espaço interno com pinturas feitas pelos alunos
A partir desta etapa, os alunos começam a ter uma formação voltada para o mercado de trabalho. Cada escola aqui, inclusive as públicas, é obrigada a ter uma orientação definida. No Secundário, além das aulas normais, os alunos já começam a ter algumas oficinas profissionalizantes e podem terminar com uma certificação técnica. A partir disso você tem escolas com orientação voltada para gestão de empresas, tecnologia e robótica, para artes e comunicação, gastronomia, entre outras. A escola que a Camila escolheu, Colégio Aula XXI, tem oficinas de desenho e pintura, música, rádio, audiovisual, gastronomia e teatro. Dessas, ela pode escolher duas. 

As disciplinas de Física, Química têm bem menos peso no plano de estudos. A carga horária é ocupada com aulas que, a meu ver, faz muito mais sentido para os jovens, como Economia e Informática, por exemplo. Melhor do que ficar gramando em Física sem entender onde vão aplicar aquilo que eles estão engolindo. E detalhe: quando cito Informática, não estou falando de embromação. Este ano, a turma da Camila, aprenderá a trabalhar com o Photoshop – inclusive, ao final do ano, é facultado ao aluno prestar um exame para obter certificação técnica. No Brasil, mesmo tendo Informática ou Comunicação Eletrônica, os alunos saem sem saber nem os comandos básicos de uma planilha de Excel.

Além disso, em todas as escolas que visitei, também percebi que a formação em inglês também é levada muito a sério, inclusive com certificação de exames internacionais como os da Universidade de Cambridge. Funciona assim, mesmo nas escolas que não são bilíngues. Os alunos chegam a receber de 6h a 10h de aula semanais de inglês, dependendo da instituição. As turmas são divididas por níveis, como nos cursinhos no Brasil, independente do ano que o aluno esteja cursando, o que permite maior aproveitamento de todos.

Em Geografia Camila estudará cinco países americanos: Venezuela, Estados Unidos, El Salvador, Uruguai e... Brasil. E o pior é você descobrir que o único Salvador que sua filha conhecia é aquele que fica na Bahia. Também não me lembro de tê-la visto estudar no Brasil, de forma assim distinta, a Argentina. Essa visão macro das Américas é algo que deveríamos ter como lição. Ah! E aqui ainda é dada a boa e velha Moral e Cívica.


Prioridade: desenvolver o pensamento crítico
O Aula XXI é tido como um colégio menos tradicional. Os alunos não usam uniforme, afinal, vestir-se também é uma forma de expressar-se e como a escola tem orientação para comunicação, está explicado. As cadeiras também não são dispostas na sala em fileiras, em sim em círculos ou semicírculos. O que mais me estranhou foi que a escola não deu nenhuma lista de material. Com exceção da “carpeta” – um fichário com folhas pautadas e quadriculadas – e do estojo pessoal com lápis, caneta e etc, todo o resto é fornecido pela escola. Cada professor entrega ao aluno uma xérox da apostila que vai utilizar, sem custos adicionais. Xerocar livros inteiros aqui é muito normal e é difícil achar livros didáticos nas livrarias. Pelo visto argentinos desconhecem leis de direitos autorais.

A maior parte das escolas tem espaços físicos limitados e não há muita preocupação em oferecer uma mega estrutura, como é comum nas escolas particulares brasileiras. Todas as que visitei aqui, cinco no total, tinham apenas uma turma de 15 a 20 alunos para cada ano. Uma das diretoras com quem conversei ficou espantada ao saber que no Brasil a Camila frequentou escolas com três ou quatro turmas de um mesmo ano, com salas reunindo de 30 a 40 alunos. “E dá certo?”, perguntou ela. É... Dá, né?

Dificuldade na matrícula

Entrada do teatro da escola
Como são pequenas, a quantidade de vagas é bem limitada, principalmente para o Secundário. E para você ter uma ideia de como o processo de matrícula começa cedo, em abril a escola da Camila já começará o período de ingresso para 2014. Portanto, em fevereiro, quando cheguei e comecei a procurar onde iria matricular minha filha, muitos colégios já estavam lotados e não aceitavam novos alunos. Conheci filhos de outros brasileiros que ficaram sem escola.

O calendário escolar aqui é um pouco diferente do Brasil. Eles têm as férias de inverno em julho, as de verão, que vão de Dezembro até meados de Fevereiro  e alguns ainda oferecem uma semana de recesso em Setembro ou Outubro, as chamadas férias de primavera. Em Dezembro  quem ficar para recuperação só renderá exames finais depois das férias, em Fevereiro, coisa de uma a duas semana antes o início do novo ano letivo.

As documentações que você precisa ter em mãos para matricula é basicamente o histórico escolar, reconhecido pelo Ministério das Relações Exteriores, mas não precisa de tradução, pois o acordo entre os dois países dispensa essa formalidade; carteira de vacinação (inclusive para os adolescentes); e certidão de nascimento, também reconhecida pelo MRE.

Para que a Camila esteja em dia com os conteúdos exigidos pelo MEC, ela está fazendo Colégio Militar à Distância. Sim, porque nenhuma escola aqui vai garantir o volume de conteúdo que é derramado sobre os jovens de 15 a 18 anos no Ensino Médio brasileiro, o que para eles só tem uma utilidade: passar no Vestibular. Enquanto vigorar essa cultura conteudista que domina a educação secundária no Brasil, continuaremos a ter enormes índices de evasão no Ensino Médio e a formar concurseiros ao invés de prepararmos jovens para a vida. São por conta desses detalhes que continuamos 20 pontos percentuais atrás da Argentina no índice do IDH do PNUD, apesar da crise que eles vivem aqui.

6 comentários:

  1. Martha, adorei saber... Isso quer dizer que a educação no País da Copa do Mundo (2014) tá anos-luz atrás de los hermanos... Que horror!!! Precisamos de mais 500 anos para evoluir.

    Beijo.

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    1. Ao meu ver, sim... Precisamos mudar radicalmente o Ensino Médio brasileiro. Não é culpa de uma escola específica, mas do sistema.

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  2. Pois é... aqui em Brasília, estamos numa discussão que, ao meu ver, não passa nem perto do que você descreveu. A implantação ou não dos ciclos nas escolas públicas. O que é uma pena...
    Mas, como mudar a mentalidade dos donos de escolas que só pensam em lucrar em cima dos pais que - sem nenhum medo de afirmar isso - estão reféns desse sistema conteudista.
    PS: Estamos chegando por aí no dia 1º de maio. Ficaremos no Hotel Principado. Vamos nos ver! Um abraço!!

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    1. Que bacana!!! Vamos sim, claro! Vou falar com Ricardo para enviar os contatos todos! Beijos!

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  3. Pois é, amiga... Tanto conteúdo despejado sem nenhuma aplicação prática, sequer estudamos a história de nossos hermanos latinos ou o uso prático da Física e da Química, é muito bizarro, mesmo.

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    1. É Vivi. Eles aqui não têm essa pressão do vestibular que nós temos. Entrar na universidade aqui é um processo natural da educação, como deveria ser ai.

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