segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um museu para uma história trágica de amor

Um museu relativamente novo em Buenos Aires, mas que você já pode colocar na sua lista de visitas obrigatórias, é o Museo del Bicentenario. Inaugurado em 2011 para marcar os festejos do bicentenário da independência da Argentina, o museu, na realidade, foi uma boa desculpa para guardar um precioso tesouro – uma obra de arte que esconde uma história desesperada de amor e de disputas judiciais.


O espaço foi construído nos fundos da Casa Rosada, no subsolo, aproveitando as ruínas do Forte de Buenos Aires, que existia no século XVIII, e da Aduana Taylor, construída em 1855. A bem bolada arquitetura, que aproveitou a iluminação natural a partir do teto envidraçado, por si só já seria uma bonita atração. Para quem passa por fora, se não for atento, pode nem perceber a grandiosidade do projeto, feito de forma a não interferir em nada na visão externa do palácio presidencial. A primeira vista parece até que se trata de mais uma estação do metrô, mas logo que se entra somos impactados pela beleza que é o contraste do moderno com o antigo – a restauração dos restos do antigo edifício da aduana e do forte com o branco do piso.

Um vídeo feito com a ajuda da computação gráfica dá ao visitante a exata noção das transformações que o espaço sofreu desde antes da construção da Casa Rosada até as obras do museu. Dá uma olhada.

O museu guarda toda história da Argentina desde sua independência até os dias atuais, exposta de forma cronológica e dividida por fases. Lá é possível reviver, por meio de vídeos, áudios e objetos, a emoção dos argentinos ao receberem o anúncio da morte de Evita Peron, os horrores sofridos pelas Mães da Praça de Maio no período da Ditadura Militar, a Guerra das Malvinas e, obviamente, a era Kirchnerista  que foi responsável pela construção do espaço, o que acaba por prejudicar um pouco a credibilidade das informações contidas nessa parte da história.

O melhor está no final

No entanto, a cereja do bolo pode-se dizer que nada tem haver com a história do bicentenário da argentina e não à toa fica por último, guardada com muito cuidado. Se trata do mural do artista mexicano David Alfaro Siqueiros, Ejercicio Plástico. A obra, feita no interior de uma adega que foi inteirinha transladada para o interior museu, carrega, além da importância artística, uma história pra lá de intrigante, que ainda não sei como não virou um tango.

O trabalho começou em 1933 na quinta Los Granados, propriedade do empresário milionário Natalio Botana, dono de um importante jornal da época, e as controvérsias sobre as circunstâncias que levaram Siqueiros a fazer esse “Ejercicio” já começam daí. Conhecido por ser, junto com Diego Rivera e José Clemente Orozco, um dos grandes muralistas mexicanos, o pintor é proclamado mundialmente por sua dedicação à arte pública e aos temas revolucionários e sociais, e por isso ninguém sabe ao certo por que ele aceitou realizar uma obra de tamanha envergadura em uma propriedade privada e no sótão.

Mais que isso, ele também deixou de lado sua recorrente temática para retratar a nudez de sua mulher, a poeta uruguaia Blanca Luz Brum. Talvez por estar escondida dos olhos do público, ele resolveu testar nessa obra várias técnicas ainda desconhecidas na época e chamou para ajuda-lo os artistas argentinos Lino Enea Spilimbergo, Antonio Berni e Juan Carlos Castagnino, além do cenógrafo uruguaio Enrique Lázaro. Os três primeiros seriam responsáveis, posteriormente, por pintar o maravilhoso teto da Galeria Pacífico, inaugurando o movimento muralista na argentina.

Ato de amor e ódio

Enquanto Siqueira testava o aerógrafo no lugar do pincel e projetava fotografias substituindo os tradicionais desenhos na tentativa de dar movimento à pintura e a sensação de que sua mulher estaria numa caixa de cristal dentro do mar, como uma bolha, Blanca, dizem as más línguas, iniciava ali um tórrido romance com o dono da chácara.

A obra ficou pronta em três meses e Siqueiros, por questões políticas, voltou sozinho para México, deixando a mulher em Buenos Aires. Foi o fim do seu relacionamento, que já não andava bem, e há quem diga que Ejercicio tenha sido a forma do artista expressar seu sofrimento amoroso.

Fala-se inclusive, que a representação da mulher desnuda retorcida reflete uma briga que o pintor mexicano teve com Blanca em um restaurante. Contam que ele lhe deu uma bofetada tão forte que ela caiu com as costas sobre a mesa e é essa a imagem que está na parece ao fundo do sótão. 

Se foi isso, o fez de forma belíssima, derramando seu drama pessoal pelos 200 metros quadrados da sala semicilíndrica, tomando suas paredes, o teto aboleado e o chão, imprimindo uma dimensão nunca antes vista em uma obra interna. Uma chaga que Siqueiros tratou de esquecer e trata-la como um treinamento e, talvez, por isso nome “Ejerccio”, já que a considerava uma transgressão bibliográfica de sua arte socialista.

Depois da morte de Botana, em 1941, a obra passou por uma longa peregrinação. Por seu conteúdo considerado pornográfico, sofreu violações por parte de uma das mulheres dos proprietários que adquiriu a chácara. Essa insana chegou a tentar retirar a pintura com ácido, mas a técnica utilizada por Siqueiros foi tão resistente que acabou sendo encoberta com cal para impedir sua visualização.

Até que um outro empresário, em 1989, decidiu explorar o “achado” e resolveu retirar a pintura da adega, separá-la em painéis, como um quebra-cabeça, e a pôs em containers para exibi-la em uma turnê mundial. No entanto, atolado em dívidas, não conseguiu dá prosseguimento ao projeto e iniciou-se aí uma grande disputa judicial que levou 16 anos.

Foi o presidente Néstor Kirchner que, em 2003, declarou o mural “bem de interesse artístico” para somente em 2009 o senado expropriar o bem e, assim, o governo iniciar os trabalhos de restauro. E talvez por se constituir num grande feito da era Kirchnerista que a obra foi parar lá no museu inaugurado por sua mulher, a presidenta Cristina. Agora, exposta bem aos olhos das massas, é um testemunho de uma outra revolução, a dos sentimentos.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Muitos motivos para ir (e voltar) a Bariloche



Paisagens de tirar o fôlego
Em julho começa a alta temporada de inverno em Bariloche. Ou seria “Brasiloche”? Nessa época do ano os brasileiros lotam a cidade argentina sem a menor cerimônia, o que fazem muito bem, porque o lugar é perto, lindo de doer e a argentina está em conta para a gente.Vale a viagem! Os argentinos estão tão acostumados com os brasileiros por lá, que já entendem tudo o que falamos e se esforçam para falar um portunhol manco.

Esqui-bunda para garotada 
Atenção para a qualidade das roupas para neve
Bariloche está totalmente recuperada depois da erupção do vulcão Puyehue em junho de 2011 e o número de brasileiros na cidade já é 20% maior que no ano passado. Para quem nunca viu neve, o espetáculo é garantido. E se estiver bem preparado para o frio e de posse de informações importantes, as chances de ter uma experiência positivamente inesquecível são de 100%. Agora, se for um despreparado, é capaz de passar por alguns dessabores e tornar o encontro com a neve algo traumático.

Como eu estava bem, só tenho motivos para querer voltar. Ainda me lembro de quando era criança e fui a Nova York pela primeira vez, no inverno. Peguei um frio tão grande e sem qualquer preparo, que perdi o interesse pela viagem e me enfiava em todas as lojas por conta da calefação. Era um vento que me cortava a alma. Passei anos sem querer voltar e só depois de adulta pude desfazer a péssima lembrança.

O frio de Bariloche é desses de cortar a alma. Mesmo na cidade. Portanto, vá preparado não apenas para esquiar na neve, mas para andar pelas ruas na cidade. Fui agora no final de junho e peguei neve, chuva e temperaturas abaixo de zero. E a alta temporada nem tinha chegado.

Aluguel de roupas de esqui e compras

Você não precisa comprar roupas de esqui se a sua intenção for meramente recreativa. Em Bariloche é possível alugar o equipamento completo em várias lojas no centro. A todo o momento tem alguém te oferecendo. Há muita diferença de preço entre uma loja e outra e de qualidade também, lógico, então pesquise. Não pense que poderá economizar e ir com suas roupas normais porque sua avareza será castigada: terá as roupas ensopadas e morrerá de frio, mesmo que sua intensão seja só olhar a neve.

Vista do pé do Cerro Catedral 
As roupas são basicamente iguais – casacos e calças ou macacão, luvas e botas – mas as botas, essas fazem a diferença. Procure as que têm solado de borracha ou correrá o risco de escorregar e se machucar feio. A maioria oferece botas pretas com solado plástico, com clavas, mas não são boas. Meu filho sentiu a diferença na pele, ou melhor, na bunda – caiu e está com suspeita de ter fraturado o cóccix. Se puder alugar óculos também, melhor ainda.

O aluguel é cobrado por diária, em espécie, e sai mais barato alugar tudo em um mesmo lugar do que optar por pegar peças separadas. Quanto maior for o tempo de aluguel, menos se paga. No comércio muitas lojas aceitam real como pagamento ou dólar (mas tem que ver se o câmbio vale a pena, se for o mesmo que é aplicado no oficial, pague em pesos porque a defasagem entre o oficial e o paralelo é grande!). Cartão internacional só em caso de extrema necessidade.

Agora, se preferir ter sua própria indumentária, passe antes por Buenos Aires e vá a Calle Forest, 400. Lá tem uma pequena concentração de lojas de fábricas de casacos (também impermeáveis), camisas térmicas, corta-vento, coletes e etc. As térmicas são boas de comprar porque essas não há para alugar. Leve um casaco convencional bom para a cidade.

Diplomacia brasileira 

Hotel Fazenda Carioca: um pedacinho do Brasil
Entre os muitos hotéis, hospedarias e cabanas em Bariloche encontrei um verdadeiro cantinho brasileiro: o hotel Fazenda Carioca, uma dica preciosa da minha amiga Daniela Brauer. O nome logo denuncia que tem dedo brazuca e a bandeira brasileira, no hall de entrada, entrega de vez, se é que ainda restava alguma dúvida.

A casa é linda e enorme já foi a residência do consul brasileiro em Bariloche. Seu filho, criado no local e apaixonado pelo lugar, comprou a propriedade e fundou o hotel. Sorte para os hóspedes que podem desfrutar de acomodações muito confortáveis, espaçosas e de uma deslumbrante vista panorâmica do lago Nahuel Huapi e da cordilheira. É impagável ver o amanhecer enquanto se desfruta o café da manhã, aliás, muito bem servido. Além do dono, o pessoal da recepção ainda arrasta um português.

Área da recepção e restaurante com vista panorâmica
O hotel não fica perto da cidade, mas o contato direto com a natureza e a tranquilidade do lugar, que conta com dois hectares de jardins e bosque, compensa qualquer coisa. Mas se o objetivo é economizar com deslocamentos, aconselho a ficar em algum hotel do centro.  

Passeios: dicas e cuidados 

Subida ao Campanario
É claro que quem vai para Bariloche quer ver neve, esquiar, fazer esqui-bunda, e isso fica fora da cidade. Dois lugares que não podem deixar de ser vistos: Cerro Catedral e Piedras Blancas. Para quem nunca foi a essa região, vale fazer o que eles chamam de Circuito Chico, que é vendido pelas agências locais. Ele envolve alguns dos pontos mais interessantes e o roteiro inclui uma volta pelas principais “praias” do lago Lago Nahuel Huapi, o Hotel Llao Llao, uma parada na fábrica de Rosa Mosqueta, o Cerro Campanario e o Cerro Catedral.
Surra de neve no Campanario, farra, mas vista prejudicada

Agora, atenção: o preço que é cobrado pelo passeio só inclui o transporte e o guia local. Não inclui as subidas aos Cerros Campanario e Catedral, que você precisa pagar a parte. Não é barato e é pago em espécie, na hora, e isso não nos foi avisado. Portanto, leve dinheiro ou perderá o melhor da festa.

O roteiro leva o dia inteiro e pode ser entediante para a molecada, que quer é brincar na neve. Então, se já conhece esse roteiro e quer economizar e eliminar os entretantos, vá direto ao Centro Cívico da cidade, onde está a Secretaria de Turismo e pegue lá folhetos, mapas e o guia de todas as linhas de ônibus locais e horários. Assim, você poderá visitar todas as atrações, pagando muito menos e escolher o que pretende fazer. Ta aí, um dos meus motivos para querer voltar.

Subidas não estão inclusas nos passeios
Para saber como ir ao Cerro Catedral de ônibus, que é a principal atração, acesse o site da empresa de micro-ônibus 3 de Mayo e veja os horários. Tem outras empresas na lista da prefeitura. Reserve um dia para esse passeio. Lição aprendida para minha próxima ida.

O Cerro Catedral é o centro de inverno mais importante da América do Sul e oferece uma ampla infraestrutura de serviços para a prática de todas as modalidades de esqui e outros esportes invernais. É a Disneylândia da garotada ávida por se esbaldar na neve! E para os menos dispostos, há a possibilidade de comer um cordeiro patagônico enquanto aprecia a vista linda do pé da serra.
Cerro Catedral pronto para a alta temporada

No Cerro Otto está o complexo Piedras Blancas, onde também é possível fazer esqui-bunda e esqui convencional, inclusive tomar aulas. Você pode escolher entre cinco pistas e para quem só vai acompanhar a farra é possível optar por fazer o passeio no teleférico e ficar na parte mais baixa, onde há estrutura com um café ou pegar o pacote completo com direito a descer até seis vezes na pista. 
Na estação do teleférico Cerro Otto, que se pega no Km 5 da Avenida Pioneiros, se acessa a confeitaria giratória, única da argentina. No Campanario está uma das sete vistas panorâmicas mais bonitas do mundo. E tive sorte. Começou a nevar minutos depois que chegamos no alto, mas se por um lado meu primeiro contato com uma chuva de neve foi emocionante, por outro, o mal tempo impediu uma vista mais ampla da paisagem. Mas valeu muito! Lá também tem uma cafeteria com calefação para esquentar as mãos e um reconfortante chocolate quente.

Para quem vai passar mais dias, tem muitos passeios para serem feitos. Mais e menos radicais. Desde um parque com esculturas gigantescas e realistas de dinossauros até caminhadas com aquelas raquetes para neve. Na secretaria você pode se informar de todos eles.

Para comer e beber

Mamuschka: clima de Natal em pleno junho
Os chocolates são a marca registrada de Bariloche por conta da colônia suíça. Mas não se iluda, o cacau é do Brasil ou da Colômbia porque a Argentina não produz a fruta. Mas a receita vem mesmo dos alpes. E há mais de 10 fábricas de chocolates para você escolher. A Mamuschka e a Rapa-Nuí têm as lojas maiores e mais bonitas. A Chocolate do Turista é enorme, mas não nos foi recomendada por usar mais gordura na fabricação.

Vem da colônia suíça também o tradicional curanto, que quer dizer “pedra quente”. A iguaria é feita pelos colonos somente às quartas e aos domingos. Para o preparo cava-se um buraco, onde é colocado fogo para aquecer as pedras e os alimentos são cozidos sobre elas. Fecha-se o buraco com folhas, serragem e terra. E enquanto cozinha, a festa vai acontecendo. Queria ter experimentado, mas voltei antes e vou ter que me programar para a próxima. Mais um motivo para voltar!
Fondue de queijo para dois no La Marmite

Restaurantes há muitos e de variadas especialidades. Além do cordeiro patagônico servido em quase todo lugar, não deixe de experimentar um prato de cerdo, javali, truta ou salmão, que é o que há de melhor por lá.

Recomendo o restaurante Família Weiss, que fica em frente à Catedral, para pratos de caça e um bom vinho; o Boliche de Alberto (tanto o de carnes quanto o de massas, são muito bons e com bons preços) e o La Marmite, de fondue – com ótima ambientação e muito aconchegante. Dica da minha amiga Dani, que não costuma errar, para um cordeiro patagônico, é o El Patacon. Não pude averiguar, acabei comendo o meu numa parrilla em Cerro Catedral. Não foi ruim, mas achei pouco e nem foi barato, mas definitivamente terei que voltar para experimentar esse.

Serviço

Secretaria de Turismo Bariloche
0294 4429850
www.barilocheturismo.gob.br